O meio do começo
Flávia Scheye
A impressão que tenho até agora é que tudo já está em fluxo. Como se não tivesse um começo porque já estava começado.
Minha parceria com Silenciosas + GT’Aime, a dança que fazemos juntos, o universo do Guimarães, a leitura das suas estórias, o encantamento com suas imagens, a dificuldade de encontrar o seu ritmo; já acontecem em mim não sei dizer desde quando.
Ao mesmo tempo, uma expectativa enorme de tudo que ainda está por vir: as oficinas que faremos, a dança que irá nascer da relação com cada conto, os dois longos e ligeiros anos de trabalho com este grupo.
Gosto de pensar que eu posso ser como o Menino nas Margens da Alegria e, respirando muito, com todo o coração, esperar que o silêncio saia de seus guardados…
Ah, quero registrar o quanto eu gritei quando vi a publicação de que seria viável a realização deste projeto: !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Primeiras impressões
Michelle Farias
As Palavras desconhecidas e os neologismos enchem a boca e o corpo de sensações, o desconhecido conhecido.
Um livro difícil, devido a falta de intimidade com o estilo.
Alguns contos mais difíceis que outros, pela escrita ou simplesmente por falta de afinidade com o tema ou personagem, causando estranheza e instigando ao mesmo tempo.
Os sons das leituras em grupo criam uma atmosfera enigmática, ainda não experienciada, onde tudo está e não está conectado e precisa ser lido e relido para obter o sentido correto.
Personagens marcantes que se assemelham e se diferenciam.
O espelho, que de alguma maneira corta o livro ao meio e o reflete. Nada muito claro, personagens a serem destrinchados, estudados, refletidos, e discutidos, tudo num devir de experimentações.
O cenário; a descrição minuciosa e detalhada me encantam e fazem com que cada vez mais me interesse.
Consigo imaginar as situações, enxergar a geografia, a arquitetura, a vestimenta.
—> Michelle indica o texto: Desconter-se
Diário de bordo 1
Flavio Falcone
Situação atual:
Escrever este diário é uma tentativa de organizar e traduzir um pouco da loucura interna e externa presente em minha vida.
A situação interna é de crise, mar revolto, tempestades emocionais que viraram diarreias intestinais, dúvidas existenciais e a eterna busca do entendimento do amor nas relações interpessoais.
A situação externa é de crise política, acirramento das polaridades ideológicas, discursos de ódio, avanço conservador, esquerda fragmentada e uma sensação de incômodo generalizado.
O grupo novamente fomentado:
Demos início ao projeto “Primeiras Estórias” e um novo processo de consciência se inicia para a companhia Silenciosas+GT’aime. Após um período de escassez de recursos, chega o fomento, que permite a realização de um projeto mais aprofundado e um novo crescimento artístico para o grupo.
Através da experiência que carrego como psiquiatra e terapeuta, sei que a formação de grupos que lidam com o aprimoramento da consciência (seja ela corporal, emocional ou racional) tem um efeito transformador nas pessoas e na sociedade. As relações que se estabelecem no processo de convivência expressam conteúdos muitas vezes não conscientes e, no nosso caso que trabalhamos com arte, a expressão disso no resultado cênico promove uma espécie de alquimia e ao final de cada processo artístico, todos nos sentimos transformados. O resultado no artista é o empoderamento de si.
Ganhar o fomento à dança nos tempos atuais é um privilégio diante da quantidade cada vez maior de grupos de dança na cidade de São Paulo e da necessidade crescente de expandir a arte para todas as pessoas que quiserem acessá-la. Para mim, cria uma responsabilidade ainda maior, pois acredito no poder transformador da arte e assumo o compromisso de fazer o que for necessário para que haja um crescimento pessoal e coletivo neste processo de trabalho. Eu devo ser a mudança que eu quero ver no mundo.
Início do processo:
O processo iniciou com a apresentação do universo de Guimarães Rosa para o grupo, através de leituras do livro “Primeiras Estórias”. Para mim, o autor exemplifica como ninguém o que significa a expressão “a palavra tem poder”. Guimarães é um virtuosi do texto e o seu estudo se tornou um desafio. Seu texto é como um código cifrado a ser desvendado, contém várias camadas de entendimento e revela o extraordinário que existe em todas as situações da vida. Ele consegue colocar em palavras sentimentos e sensações subjetivas mostrando ao mesmo tempo o universo do aparente e o universo do oculto das situações.
No meu processo pessoal dentro do grupo, estou numa fase de colocar em palavras o que estava oculto nas relações interpessoais no grupo. O meu último mês foi marcado por longas conversas que nunca tinham acontecido. Um movimento de trazer as relações vividas para o nível consciente e olhar principalmente para o universo do oculto delas. Quando a conversa não existe na consciência ela passa a acontecer na inconsciência e isso é a causa de comportamentos neuróticos e de distúrbios emocionais.